
Chumbo
Casos clínicos
Caso 1
“Talismã chinês como fonte de exposição ao chumbo” [1]
Talismã chinês é um manuscrito religioso Taoísta, que se acredita possuir poderes mágicos para expulsar os males e evitar infortúnios. Algumas pessoas acreditam que o consumo de cinzas obtidas a partir da queima de talismã chinês dissolvido na água é útil na cura de doenças. Este fato pode ter sido a principal fonte de exposição ao chumbo que levou à intoxicação de uma mulher de 41 anos, em março de 2012. A doente apresentava fraqueza dos membros superiores e inferiores e sinais de doença do neurónio superior (MND), motivos pelos quais recorreu a esta prática, tendo consumido essa água com cinzas 3 vezes por dia, durante cerca de 1 mês. Mais tarde, sintomas neurológicos levaram-na a fazer análises sanguíneas, onde detetaram uma concentração de 38µg/dl de chumbo e, duas semanas mais tarde, a repetição do mesmo teste indicou valores de 54µg/dl. A doente não apresentava elevação da pressão arterial, nem anemia com pontiado basófilo nem sintomas gastrointestinais, típicos de intoxicação por chumbo. Análises por espetrofotometria de massa do Talismã chinês revelaram uma elevada concentração de chumbo: 17 342 µg/g, tendo-se confirmado a fonte de exposição. O fato de o manuscrito ter sido escrito com tetróxido de chumbo em vez de cinnabar, ambos de aparência similar mas o primeiro mais barato, pode explicar esta elevada concentração de chumbo no mesmo. A doente foi posteriormente tratada com ácido dimercaptosuccínico.
Caso 2
“Revisão do declínio chumbo poluente no ar urbano e sangue humano: Um caso de estudo no Noroeste da Europa” [2]
A relação entre o chumbo presente no ar a no sangue e aquele que existe nos reservatórios ambientais foi estudado. Foi demonstrado que o chumbo no ar diminuiu 20 a 100 vezes mais do que o chumbo no sangue, nos últimos 30 anos, o que sugere outro tipo de ingestão significativa além de chumbo no ar para explicar o chumbo acumulado nos seres humanos. Esta tendência também foi observada em duas pesquisas de sangue completadas em 1976-1978 e em 2008-2009, no norte da França e da Bélgica. Impressões de isótopos de chumbo no sangue podem ajudar a decifrar casos de contaminação específicos, tendo sido coerentes com o declínio do chumbo no ar, mas não tendo sido possível discriminar a fonte de chumbo no sangue devido à falta de marcas de origem, especialmente de ingestão dietética. Recentemente descobriu-se, através de correlações entre o chumbo, impressões isotópicas e a idade dos indivíduos testados, que o chumbo libertado a partir dos ossos seria uma importante fonte de chumbo no sangue. Assim, a causa significativa para a exposição humana ao chumbo já não era a entrada de chumbo poluente direto acumulado nos reservatórios de ar e exógenos (dieta), mas sim a libertação de chumbo endógena de tecidos ósseos.
Caso 3
“Intoxicação congénita por chumbo: um caso incomum” [3]
Um bebé do sexo masculino, de 6 meses de idade, chegou ao hospital, em Janeiro de 2013, com perda de peso, palidez progressiva e vómitos persistentes há cerca de 1 mês. Apresentava atrasos no crescimento, anomalias gastrointestinais e cardíacas, anemia grave, valor das transaminases alteradas e raio X mostrando bandas de elevadas densidade na extremidade. Perante este quadro clínico, foi analisada a concentração de chumbo no sangue: 83µg/dL, um valor extremamente elevado para um bebé. A função renal e neurológica não se encontrava descomprometida, tendo-se iniciado de imediato a terapia com versenato de cálcio (EDTACaNa2), via intravenosa, tendo-se conseguido, 3 meses depois, baixar esse valor para 18µg/dL, onde já se apresentava com um desenvolvimento normal e com os parâmetros bioquímicos normalizados. Chegou-se à conclusão, portanto, que mulheres grávidas expostas a elevados níveis de chumbo podem contaminar o feto, com o seu chumbo sanguíneo e acumulado nos ossos, por via transplacentária, ou mais tarde através da amamentação. A exposição intrauterina ao chumbo pode causar, assim, atrasos no crescimento, partos prematuros e até mesmo atrasos mentais na criança. Esta contaminação fetal é ainda agravada em casos em que as mulheres grávidas tenham dietas pobres em cálcio e zinco, visto que o défice destes iões aumenta a absorção do chumbo pelo organismo.
Referências:
[1] Chan CK, Ching CK, Lau FL, Lee HK. Chinese talismans as a source of lead exposure. Hong Kong medical journal = Xianggang yi xue za zhi / Hong Kong Academy of Medicine. 2014;20(4):347-9.
[2] Petit D, Véron A, Flament P, Deboudt K, Poirier A. Review of pollutant lead decline in urban air and human blood: A case study from northwestern Europe. Comptes Rendus Geoscience. (0).
[3] Mazumdar I, Goswami K. Congenital lead poisoning: an unusual presentation. Indian journal of clinical biochemistry : IJCB. 2014;29(2):257-9.

Fig.1 – Manuscrito Taoísta [1]